sexta-feira, 3 de julho de 2009

Silêncio e Tanta Gente!

Lisboa, 1912.
Dois anos passaram desde que foi proclamada a República. Subo a calçada da Glória pelo Eléctrico. Descanso e aprecio a paisagem no Miradouro de São Pedro de Alcântara, a varanda do Bairro Alto. Que vista! São sensações como estas que fazem bem à alma.
Consigo ouvir ao longe alguns gritos. Devem ser os d’A República e os da Censura. “A República” é um jornal vespertino que nasceu em 1911. Foi-se instalar mesmo em frente ao edifício da comissão da censura! Provocação? Talvez…mas o facto é que os gritos, do alto da varanda de um lado para o outro, são o “pão-nosso de cada dia”. Insultos, provocações, palavrões, tudo o que se possa imaginar, agitam a vida pacata dos bairristas. De dia… sim, porque todos conhecemos a má fama do bairro…a sua vida nocturna. Os jornalistas trabalham aqui até às 6 horas da manhã.
“Olha o Século! Olha as notícias!”…lá vem o ardina a apregoar os jornais. Caminho mais um pouco. Entro na Rua do Século. Mudou este ano de nome em homenagem ao próprio jornal. Antigamente era a Rua Formosa...Número 63…estou à entrada d’O Século. Uma azáfama. Prepara-se a próxima edição. Defende as ideias republicanas. Satiriza. É o jornal dos sapateiros. Ouve-se falar numa greve. Mais uma quezília entre tipógrafos e repórteres...a situação não muda. É sempre a mesma coisa.
Subo a rua. Cruzo umas vielas e passo pelo “Diário de Notícias”. Fala-se de política. Já passaram por aqui, desde 1874, nomes como Eça de Queirós ou o pai de Fernando Pessoa. Continuo a minha caminhada matinal…respiro o ar que me rodeia. É incrível como o silêncio pode conter dentro de si a agitação e a vida de tanta gente.
Lá está “A capital”! Mais um jornal. O “Mundo”! Outro. Este é dos ilustres. Ali veem eles… Bom dia, Senhor António José de Almeida! Bom dia, Senhor Teófilo Braga! Pode dizer-se que “tutti mundi” lê “O Mundo”. É o jornal mais fofoqueiro da cidade inteira.
Chego ao pé d’A Republica. Os gritos já acabaram. A censura recolheu-se. A Republica voltou à azáfama da vida jornalística. O ardina continua a apregoar os jornais. Mais uma vez, sento-me no Miradouro e olho as vistas. Desço a calçada da Glória no eléctrico amarelo. Olho mais uma vez para trás. Aprecio o silêncio. Aprecio as gentes. Como será tudo isto daqui a uns anos?

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